terça-feira, 21 de abril de 2015
Padre Neves: o eterno missionário!
Vai demorar muito tempo - talvez séculos! - para que Chapadinha
tenha a dimensão exata do imenso vazio espiritual, político e moral
que a partida do maior líder religioso de toda a sua história
representa. Padre Manuel dos Santos Neves – ou simplesmente
Padre Neves, como costumavam chamá-lo – era uma figura
raríssima, dessas que surgem de tempos em tempos sobre a
terra e que despertam a nossa atenção por reunirem, em si
e ao mesmo tempo, todas aquelas características que nas
demais pessoas só se revelam de forma isolada e em
geral bastante tímida: dignidade, coragem, sabedoria, generosidade,
força de caráter, humildade e fé.
Analisando a trajetória desse português nascido na Vila de Cucujães,
Portugal, a primeira coisa que a gente se pergunta é: o que teria
feito esse homem deixar para trás parentes, amigos e uma
vida certamente promissora e confortável - tudo aquilo que,
como diria Mário Vargas Lhosa, a nossa "Civilização do Espetáculo"
mais preza e cultua - para se embrenhar nos confins do Maranhão
nos idos de 78, uma terra inóspita, marcada pela pobreza e pelo
latifúndio, pela violência e pela desigualdade social? A resposta
a essa pergunta quem nos dá é o próprio Padre Neves, no prefácio
do livro É mesmo uma boa nova, do meu amigo Padre Pedro:
"Ser missionário, deixar sua família e cultura, não é sacrifício,
mortificação, renúncia... é livre preferência, alegre investimento,
imensa alegria e enriquecimento humano".
Para Manuel Neves, portanto, levar a palavra de Deus a quem
necessitava era uma alegria, uma forma de crescimento espiritual -
não um martírio. Eis o verdadeiro espírito missionário. E foi
esse espírito missionário, aliado à imensa fé cristã, que o trouxeram
para nosso meio. E que o ajudaram a enfrentar com firmeza e
determinação as dificuldades, as perseguições, os desafios e incompreensões
que desde sempre se lhe puseram no caminho. "Fomos sujeitos
a inquéritos policiais, tivemos que nos apresentar em tribunais,
responder a falsas acusações nos meios de comunicação social...
Mas durante todos estes trinta e seis anos, os missionários,
em comunidade apostólica, aceitaram o conselho evangélico: ‘não
tenhais medo dos homens’." E não tiveram mesmo!
Mas se, por um lado, a postura firme e irrenunciável a favor dos menos
favorecidos e contra a exclusão social atraiu o ódio dos poderosos,
por outro, fez com que Padre Neves conquistasse o coração e a
alma do povo humilde das centenas de comunidades e bairros
espalhados na região de Chapadinha, que viam nele mais que
um simples líder religioso: na verdade, o tinham como um amigo,
um irmão e – por que não dizer? - um grande pai. A prova dessa
simbiose espiritual e social com a população podia ser facilmente
constatada durante as festividades religiosas organizadas pela
paróquia sob a liderança luminosa do Padre Neves, entre elas
as procissões em homenagem à santa padroeira da cidade, Nossa
Senhora das Dores, que atraíam – e ainda atraem - milhares de pessoas.
No entanto, apesar de todas essas claras demonstrações de
prestígio social e religioso, Padre Neves sempre manteve a humildade,
reconhecendo que a obra em prol da Igreja deveu-se menos à sua
atuação individual do que ao próprio trabalho divino: "Deus foi,
é e será sempre o eterno senhor e operário da messe. Nós apenas
lhe damos visibilidade e, quantas vezes, com notório atraso. Quando
pensamos que trazemos a iniciativa da Boa Nova, já a achamos
trabalhando, em etapas de salvação, na vida do povo. Evangelizamos,
mas também somos evangelizados por esse silencioso e fecundo
trabalho do Espírito". Eis aqui uma lição para alguns semideuses,
desse e de outros credos, que há muito deixaram em segundo plano a
palavra divina para se transformar em astros pop. Pura jactância.
A contribuição de Padre Neves, porém, não se resume à revitalização
e consolidação da Igreja Católica em nosso município. Seu maior
legado é ter semeado entre nós os valores cristãos da solidariedade,
do amor aos desamparados e do combate intransigente às injustiças
– tudo isso sem aderir a particularismos ideológicos de direita ou
de esquerda, a interesses de grupos políticos oficiais ou de oposição.
Graças a ele, hoje sabemos que a evangelização não pode ocorrer no
vácuo, longe das questões do mundo concreto dos homens. Que fé
e justiça social andam de mãos dadas. E que a tarefa de levar a
Boa Nova exige entrega livre, espontânea e absoluta. "Eu sou dos que
pensam que na vida cristã ou se joga tudo ou não se ganha nada. Não
importa o que temos. Só nos enriquece o que damos".
É por essa firmeza de convicção e pela força de caráter que sua vida
se transformou num dos poucos exemplos entre nós capazes de
[orientar jovens e velhos na busca da verdade, do perdão e do amor
divino. Jamais transigir com a injustiça ou com a hipocrisia.
Jamais admitir a mentira ou a falácia. Fazer com que o povo tome
as rédeas do seu próprio destino: eis os motivos por que Padre Neves
[lutou durante toda a vida. "Sensibilizar o povo para mudar
esta situação, desenterrar e levá-lo a assumir a sua dignidade
humana, formar os ambientes para o respeito ao Estado de Direito
da sociedade, organizar as comunidades para uma digna participação
sindical, política e social. Tudo isto, além de quebrar velhas
e abusivas arbitrariedades dos políticos locais... tornou-se
uma constante preocupação nossa, mexeu comigo e meus colegas".
Quem nesses dias acompanha o clamor do povo simples, as lágrimas,
a comoção dos amigos mais próximos e dos colegas de trabalho,
as declarações públicas – das mais sinceras às que não passam
de meras formalidades – há de em algum momento, lá no fundo da
sua consciência, também se perguntar: e eu, o que estou fazendo
para melhorar a mim mesmo e aos que me cercam? Quando essa
pergunta se fizer presente, e, principalmente, quando ela começar
a se transformar em atos de fé e esperança, é sinal de que aprendemos
a lição. De que as sementes plantadas pelo grande missionário já estão
frutificando. Aí então teremos a certeza de que sua missão foi cumprida.
Ivandro Coêlho, professor e jornalista.
VEJA FOTOS DA HOMENAGEM DO SINDICATO AO PADRE NEVES PROMOVENDO CAMINHADA DESDE O SINDICATO (STR) ATÉ NA MATRIZ E SANTA MISSA :
E A MULTIDÃO DA MISSA DO DIA DO FALECIMENTO E HOMENAGENS.